Financiamento

O financiamento das instituições de ensino superior está assente numa relação tripartida entre o Estado, as próprias instituições e os estudantes. Nesta partilha de responsabilidades, cabe ao Estado assumir o financiamento adequado das instituições de ensino superior reservando uma rubrica no Orçamento do Estado; as instituições responsabilizam-se pelo desempenho da sua missão de forma eficiente, com garantias da qualidade da formação ministrada e gerando receitas próprias; e os estudantes contribuem para o financiamento das instituições, através do pagamento de uma taxa de frequência, com a fundamental proteção de todos aqueles que não conseguem suportar tais custos, através da existência de um sistema de ação social.

Neste contexto de financiamento e decorrente de um desinvestimento que foi realizado no Ensino Superior nacional pela diminuição da dotação orçamental disponível, a percentagem de financiamento realizada por cada um destes três agentes mudou, diminuindo a responsabilidade do Estado, aumentando o esforço das IES na captação de receitas próprias e aumentando a responsabilidade dos estudantes e das suas famílias através da cobrança de propinas.

No entender da FAP, em momentos governativos de menor disponibilidade financeira, é compreensível que existam ajustes às dotações orçamentais em vários setores do Estado, nomeadamente no Ensino Superior. Não podemos aceitar, no entanto, que essa redução seja continuada, sob pena de colocar instituições em graves riscos económicos e sem previsibilidade do seu futuro, porque deixam de poder prever o que vão receber para o seu funcionamento, o que naturalmente põe em causa a missão da própria instituição. É essencial que existam correções claras no financiamento das instituições e na forma como essas verbas são distribuídas entre as mesmas, incluindo critérios de justiça e previsibilidade nessa distribuição.

Dotação orçamental para o Ensino Superior

Ao longo dos últimos anos, a dotação orçamental das instituições tem sofrido significativas reduções, o que tem pressionado as instituições de ensino superior para diversificar as fontes de financiamento, ao mesmo tempo que iniciaram processos de reestruturação que pretendem acomodar cortes sem prejudicar os seus resultados de ensino e investigação. Tal redução das dotações orçamentais tem resultado também no aumento da responsabilidade dos estudantes no seu financiamento, com o aumento do peso da receita proveniente do pagamento de propinas e outras taxas devidas pelos estudantes na receita global da instituição. Tais reduções têm sido realizadas indiscriminadamente sem qualquer ponderação dos resultados de cada uma das instituições, contrariando o sentido da legislação que estabelece as bases do financiamento das instituições, que prevê a existência de uma fórmula de financiamento com parâmetros conhecidos à partida, o que simultaneamente introduziria racionalidade na distribuição das verbas disponíveis e aumentaria a previsibilidade desse financiamento. As instituições de ensino superior, apesar dos bons exemplos verificados na tentativa de tornar mais eficiente a sua gestão, têm demasiadas vezes optado pelo caminho mais fácil de redução dos serviços prestados (como a redução de horários de funcionamento, de funcionários de atendimento disponíveis), prejudicando a sua missão de prestar serviços de qualidade, em vez de iniciarem processos sólidos de reorganização que sejam uma alternativa preferível a tal redução de serviços.

A realidade do financiamento público das instituições de ensino superior é a caricatura do que, demasiadas vezes, acontece no financiamento da administração pública: um quadro legal focado no trabalho realizado por cada instituição, com critérios objetivos, conhecidos à partida, estáveis no tempo e atentos aos resultados de cada instituição coexiste com uma realidade de financiamento com base no histórico, absolutamente cega à evolução dos indicadores de cada instituição. A proposta da FAP, no que à distribuição das dotações orçamentais para funcionamento das IES diz que respeito, é que se cumpra a lei, publicando a fórmula «baseada em critérios objetivos de qualidade e excelência, valores padrão e indicadores de desempenho equitativamente definidos para o universo de todas as instituições e tendo em conta os relatórios de avaliação conhecidos para cada curso e instituição» (n.º 2 do art.º 4.º da Lei n.º 37/2003, de 22 de agosto).

A (pluri)anualidade das dotações orçamentais das instituições também tem sido objeto de múltiplas discussões, colocando em confronto o interesse dos dirigentes das instituições em garantir a estabilidade do seu financiamento e o caráter anual do Orçamento de Estado que anualmente se tem ajustado em função das disponibilidades financeiras do País e, nos últimos anos, em função dos acordos estabelecidos com as instituições internacionais com que Portugal se comprometeu no âmbito do programa de ajustamento económico e financeiro. Neste âmbito, a FAP defende o caráter plurianual do financiamento associado a programas de desenvolvimento institucional, quer no caso dos contratos-programa estabelecidos com as fundações públicas com regime de direito privado, quer no caso do financiamento associado a programas de desenvolvimento institucional, conforme previsto na lei: «melhoria da qualidade; desenvolvimento curricular; racionalização do sistema; reforço e manutenção de infraestruturas e equipamentos; financiamento complementar de estabelecimentos e organismos com reconhecido impacto histórico, social ou cultural; modernização da administração e da gestão das instituições; parcerias entre as instituições de ensino superior, entre estas e as instituições de ensino secundário e entre aquelas e outras entidades públicas ou privadas.» (n.º 2, art.º 6.º da Lei n.º 37/2003, de 22 de agosto).

Esta é a nossa visão em matéria da dotação orçamental para o Ensino Superior. Tal assunto tem ainda de ser enquadrado na recente proposta de financiamento do Ensino Superior, altamente focada na distribuição entre as instituições da dotação orçamental para o seu funcionamento. Esse documento introduz um paradigma algo diferente nesta temática: foca-se em compromissos para as instituições, principalmente focado no número de estudantes de cada instituição, estabelecendo valores máximos e mínimos de estudantes que podem atingir. Representa de facto uma lógica de um Ensino Superior distributivo, fazendo a isso corresponder valores de financiamento a cada instituição por cumprimento de metas e objetivos. É um modelo distributivo, tendo como grande critério o número de estudantes, mas encerra em si algumas lógicas estranhas que colocamos em cima da mesa. Não estamos em crer que um “modelo de financiamento” deva ser limitador do crescimento das instituições, seja em matéria do número de estudantes, seja em matéria de limitar a percentagem orçamental que lhe diz respeito. Acrescentamos ainda que é extremamente nefasto que o crescimento das instituições seja limitado, impedindo-as de crescer em dotação mais de 3%, quando na verdade bem mais do que isso lhes é devido. A acrescer a isto, é interessante a ideia de que deva existir um fundo de coesão que permita financiar IES em maiores dificuldades. Não podemos é aceitar que tal fundo se estabeleça recorrendo ao dinheiro reservado para outras instituições. Por um lado limita-se o crescimento e beneficia-se alguma má gestão que possa existir, o que não parece lógico no sistema.

No que diz respeito a outros fatores de qualidade, é difícil aferir a importância e a avaliação dos mesmos, sendo que podem e devem ser dados passos para poderem ser realmente utilizados. Não somos favoráveis a que a aferição da qualidade e eficiência do processo educativo seja substancialmente representada pelos dados da empregabilidade, mas tal assunto também é colocado fora do horizonte temporal do trabalho efetuado sendo matéria que será de maior desenvolvimento futuro.

Questionamos seriamente nesta proposta onde se encontra a verba para a ação social por parte das instituições de ensino superior uma vez que nenhuma resposta é dada a esta questão por parte do documento. A proposta ainda está em discussão, sendo que temos alguma dificuldade em acreditar que avance, não só pela ainda presente dúvida sobre quem apresentará o próximo Orçamento do Estado, bem como pela exigência permanente por parte de todos os agentes do sistema da necessidade de aumentar a verba disponível para financiamento das IES.

Ainda nesta matéria, a FAP denuncia novamente o grave incumprimento por parte do Governo dos contratos-programa estabelecidos com as instituições que se transformaram em fundações públicas com regime de direito privado e dos contratos de confiança assinados com diversas instituições: o que aconteceu foi que as instituições cumpriram a sua parte do acordo sem receber a contrapartida financeira prevista, que ascende a milhões de euros de incumprimento por parte do Estado. Revela-se insustentável para as instituições de ensino superior negociar e enveredar por determinadas vias positivas para o País se o Governo não cumpre com a sua parte. No entender da FAP é fundamental que se resolva esta situação com urgência para que não continue a pairar a desconfiança das instituições perante os compromissos governamentais.

Propinas

No quadro de financiamento do Ensino Superior, os estudantes e as suas famílias têm assistido ao aumento constante da sua responsabilidade no financiamento do sistema quer pelo sucessivo aumento do valor das propinas devidas, quer pelo aumento dos valores ou criação de novas taxas e emolumentos, que mais não são do que mecanismos camuflados de suplantar o limite constitucional do atual valor máximo da propina devida nas formações iniciais. O aumento destes valores que dependem exclusivamente de políticas internas das instituições não consideram ainda todas as implicações de índole indireta: aumento das refeições sociais nas cantinas, subida do preço de residências ou outros encargos com a frequência do ensino superior que se prendem com toda a vida dos estudantes fora da sua residência habitual ou custos associados a transportes, para apresentar alguns exemplos concretos. De forma mais grave, subsiste que tal aumento dos encargos dos estudantes convive com um sistema de ação social que não cumpre o seu mandato de garantir que nenhum estudante é excluído do sistema de ensino por carência económica, o que tem resultado num preocupante montante de propinas em atraso, um dos primeiros e mais fortes sinais de um potencial abandono do ensino superior e situação de pressão sobre os orçamentos institucionais.

A cobrança do valor das propinas poderia ter alguma razoabilidade na sua aplicação, no entanto atente-se no seguinte: em anos de crise económica e de diminuição dos rendimentos disponíveis das famílias, aumento do desemprego e atuação do Fundo Monetário Internacional em Portugal, não houve uma única instituição de ensino superior a equacionar reduzir os valores de propinas devidos, sendo sempre a tendência de contínuo aumento (para compensar as reduções de financiamento via Orçamento do Estado), exceção feita e honra merecida a algumas instituições que cumpriram pela manutenção do valor, nomeadamente a Universidade do Porto pela atuação indelével do seu Conselho Geral e o Instituto Politécnico do Porto pela mão firme da sua Presidente.

Em matéria de propinas, às instituições de ensino superior compete também flexibilizar as regras de pagamento das propinas devidas pelos estudantes através do aumento do número de prestações e alargamento de prazos de pagamento – benefício evidente para os estudantes que veem as condições de pagamento melhoradas e com potencial ganho na capacidade de efetivo recebimento desses montantes por parte das instituições. O facto de se ter em consideração para o pagamento o ajuste às previsíveis datas de recebimento de prestação de bolsa por parte dos estudantes bolseiros, presumirá uma maior capacidade de cumprir as prestações por parte dos estudantes.

Neste seguimento, também o procedimento de fixação do valor da propina devida pelos estudantes tem de ser clarificado: compete ao Conselho Geral de cada instituição, sob proposta do reitor ou do presidente «fixar as propinas devidas pelos estudantes» (al. g) do n.º 2 do art.º 82.º da Lei n.º 62/2007, de 10 de setembro); contudo, a rejeição da proposta do reitor ou do presidente – que deve estar claro ser obrigatória anualmente – tem sido interpretada de forma distinta, com instituições a manter o valor da propina fixada para o ano letivo anterior e outras a atualizá-lo automaticamente através da aplicação do índice de preços no consumidor do INE. A FAP defende a uniformização deste processo, considerando que a rejeição da proposta do reitor ou presidente por parte do Conselho Geral deve implicar inequivocamente a manutenção do valor da propina.

No entanto, a existência de uma parcela do financiamento do ciclo de estudos de um estudante que deve ser por si comparticipado esgota-se quando o modelo existente se apresenta completamente dissociado do contexto da criação e existência de pagamentos de propinas. De acordo com a Lei de Bases do Financiamento do Ensino Superior (Lei n.º 37/2003, de 22 de Agosto, com as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei n.º 49/2005, de 30 de Agosto), a propina deve ter “um valor mínimo correspondente a 1,3 do salário mínimo nacional em vigor e um valor máximo que não poderá ser superior ao valor fixado no n.º 2 do artigo 1.º da tabela anexa ao Decreto-Lei n.º 31 658, de 21 de Novembro de 1941, atualizada, para o ano civil anterior, através da aplicação do índice de preços no consumidor do Instituto Nacional de Estatística.” Ao abrigo do que é consagrado pela Lei de Bases do Financiamento do Ensino Superior, as propinas devidas pelos estudantes devem “reverter para o acréscimo de qualidade no sistema”. Este enunciado, vertido nº 2 do seu artigo 15º, é completamente posto em causa, quando num cenário de subfinanciamento as instituições utilizam estes valores para proceder a gastos correntes, escudando-se na abrangência concetual do que possa ser entendido como acréscimo de qualidade.

Para lá disto, é previsível que os valores das propinas devidas pelos estudantes atinjam valores excessivamente elevados, considerando a possível atualização em função da inflação e que na maioria dos casos a base sobre a qual se calcula tal atualização é maior de ano para ano. Tal evolução presume que haverá́ uma crescente dificuldade de suportar esses valores de propinas, o que, na defesa de um ensino superior acessível a todos os cidadãos, nos colocará o desafio de discutir o modelo de contribuição dos estudantes no financiamento das instituições. A FAP entende que estamos a tempo de iniciar esta discussão, envolvendo todos os intervenientes, evitando os efeitos ainda mais lesivos do crescente valor de propinas devidas pelos estudantes.

Regime de prescrições

Desenhado com o propósito anunciado de estabelecer um limite ao esforço dos contribuintes na formação superior de um cidadão e pretendendo ponderar o aproveitamento escolar desses estudantes nesse financiamento, o regime de prescrições foi instituído e começado a aplicar nas diversas instituições de ensino superior. O regime como está previsto na lei e é implementado na prática tem, contudo, vários problemas: afasta (em muitas ocasiões definitivamente) os estudantes do ensino superior sem qualquer ponderação das razões que levaram a tal insucesso escolar; não tem qualquer impacto na dotação da instituição de ensino superior, que tem sido efetuada com base no histórico de orçamentação e sem qualquer ponderação do número de estudantes; o afastamento desses estudantes não permite, na maioria das vezes, a redução de despesa (e por isso do esforço dos contribuintes), com perda da receita proveniente do pagamento de propinas desses estudantes.

A FAP propõe uma alternativa ao atual regime de prescrições, que tente recuperar os estudantes na iminência da prescrição: em vez da prescrição automática (e consequente afastamento da instituição por dois semestres letivos) os estudantes inscritos a tempo integral transitariam para o regime a tempo parcial, experimentando uma modalidade de frequência do ensino superior que pode ser mais adequada à sua realidade. Tal obrigação de frequência em regime de tempo parcial cessa caso o estudante obtenha aproveitamento a mais de 60% dos ECTS nos quais se encontra inscrito; caso não atinja tal aproveitamento prescreverá. Nas situações em que o estudante já estava inscrito a tempo parcial, o estudante prescreve automaticamente. A instituição de Ensino Superior deve procurar compreender, junto do estudante, quais os fatores que influenciaram o seu insucesso académico e, mesmo em caso de prescrição, encaminhá-lo para serviços de orientação vocacional disponibilizados pelas próprias IES, fomentando o seu regresso ao sistema.

Propostas

Financiamento

  • É essencial que existam correções claras no financiamento das instituições e na forma como essas verbas são distribuídas entre as mesmas, incluindo critérios de justiça e previsibilidade nessa distribuição.

Dotação orçamental para o Ensino Superior

  • Exige-se a existência de uma fórmula «baseada em critérios objetivos de qualidade e excelência, valores padrão e indicadores de desempenho equitativamente definidos para o universo de todas as instituições e tendo em conta os relatórios de avaliação conhecidos para cada curso e instituição».
  • Defendemos o caráter plurianual do financiamento associado a programas de desenvolvimento institucional.
  • Um “modelo de financiamento” não pode ser limitador do crescimento das instituições, seja em matéria do número de estudantes, seja em matéria de limitar a percentagem orçamental que lhe diz respeito.
  • Qualquer fundo de coesão que se estabeleça não pode ser criado recorrendo ao dinheiro reservado para outras instituições.
  • Não somos favoráveis a que a aferição da qualidade e eficiência do processo educativo seja substancialmente representada pelos dados da empregabilidade.

Propinas

  • Compete às IES flexibilizar as regras de pagamento das propinas devidas pelos estudantes através do aumento do número de prestações e alargamento de prazos de pagamento.
  • O procedimento de fixação do valor da propina devida pelos estudantes tem de ser clarificado: a rejeição da proposta de fixação de propinas do reitor ou do presidente – que deve estar claro ser obrigatória anualmente – tem sido interpretada de forma distinta, com instituições a manter o valor da propina fixada para o ano letivo anterior e outras a atualizá-lo automaticamente através da aplicação do índice de preços no consumidor do INE. A FAP defende a uniformização deste processo, considerando que a rejeição da proposta do reitor ou presidente por parte do Conselho Geral deve implicar inequivocamente a manutenção do valor da propina.
  • As propinas devidas pelos estudantes devem “reverter para o acréscimo de qualidade no sistema”. Este enunciado é completamente posto em causa, quando num cenário de subfinanciamento as instituições utilizam estes valores para proceder a gastos correntes, escudando-se na abrangência concetual do que possa ser entendido como acréscimo de qualidade.
  • Entendemos que é fundamental iniciar uma discussão séria sobre as propinas, envolvendo todos os intervenientes, evitando os efeitos ainda mais lesivos do crescente valor de propinas devidas pelos estudantes.

Regime de prescrições

  • Propõe-se uma alternativa ao atual regime de prescrições, que tente recuperar os estudantes na iminência da prescrição: em vez da prescrição automática (e consequente afastamento da instituição por dois semestres letivos) os estudantes inscritos a tempo integral transitariam para o regime a tempo parcial, experimentando uma modalidade de frequência do ensino superior que pode ser mais adequada à sua realidade. Tal obrigação de frequência em regime de tempo parcial cessa caso o estudante obtenha aproveitamento a mais de 60% dos ECTS nos quais se encontra inscrito; caso não atinja tal aproveitamento prescreverá. Nas situações em que o estudante já estava inscrito a tempo parcial, o estudante prescreve automaticamente.