As discussões em torno do ensino superior bem como de outros setores da sociedade prendem-se não só com a necessidade de definição dos montantes de financiamento a receber do Estado por parte das instituições públicas, mas também com a disponibilidade das instituições para, dentro da sua liberdade e autonomia de gestão, poderem investir e gastar esses mesmos montantes. Portanto, tão importante como discutir os montantes de financiamento é fundamental ter em conta as regras de gestão e execução orçamental das instituições de ensino superior. A defesa da sua flexibilização é tema de agenda dos dirigentes das instituições que defendem uma maior autonomia na gestão das verbas que lhes são atribuídas e que conseguem captar para as instituições.
No período de ajustamento económico e financeiro do País e no seu período subsequente é cada vez mais estranho perceber que muitas das regras de execução orçamental impostas aos organismos da administração pública, incluindo as instituições de ensino superior, não promovem a eficiência de gestão dos dinheiros públicos. No caso das instituições de ensino superior, a denominada «regra do equilíbrio» conjugada com o congelamento dos saldos dos exercícios anuais são um incentivo à realização de despesa pública no final de cada ano civil, com os dirigentes das instituições muitas vezes a inventar formas de utilizar as verbas que ficarão inutilizáveis na transição do ano – como resultado, as instituições de ensino superior (e todas as entidades da administração pública com regras semelhantes) não gastam o menos possível para cumprir a sua missão, mas o mais que podem para dar uso às verbas que não sendo utilizadas não estarão disponíveis para utilização no ano seguinte.
A FAP defende que à especificidade da gestão das instituições de ensino superior (até pelo facto de que a sua atividade se rege pelo ano letivo e não pelo ano civil, do ponto de vista da despesa, mas sobretudo do ponto de vista da receita) devem corresponder regras de execução orçamental adequadas que possam refrear este gasto antecipado, nefasto para as contas públicas, sem prejudicar a atividade das instituições e a utilização dos seus excedentes anuais nos exercícios seguintes.
As regras de contratação de bens e serviços pelas instituições de ensino superior são objeto de múltiplas críticas por parte dos dirigentes das instituições de ensino superior, que pedem a desburocratização de tal contratação, alegando que ela traria benefícios nas condições de aquisição desses bens e serviços. As instituições de ensino superior são consideradas entidades compradoras vinculadas, o que as obriga a recorrer ao sistema nacional de compras públicas, para aquisição de bens e serviços disponíveis nessa plataforma centralizada – tal obrigação aplica-se também às fundações públicas com regime de direito privado desde a sua reclassificação como Entidades Públicas Reclassificadas. Reitores e presidentes de institutos politécnicos têm denunciado a irracionalidade de tal sistema, que impede a contratação de forma ágil de um bem ou serviço nas melhores condições de aquisição. Não deixando de defender todos os princípios incluídos no Código dos Contratos Públicos (concorrência, transparência e igualdade), a FAP entende que devem ser criados mecanismos mais ágeis de derrogação da obrigação de contratação através do sistema nacional de compras públicas quando daí advierem vantagens financeiras para a instituição e consequentemente para a boa gestão dos dinheiros públicos.
A organização macro do ensino superior, a definição clara da sua rede e a distribuição das suas instituições tem um peso forte no seu funcionamento, não só pelos gastos e desperdícios que más decisões podem representar, mas sobretudo pela eficiência e eficácia que se pretende que um sistema de ensino superior nacional público apresente. As decisões externas a cada uma das instituições podem ser muito interessantes e representar grandes ganhos de escala para o próprio sistema, contudo, a forma como internamente cada uma destas instituições se organiza e aplica os recursos que lhe são atribuídos, bem como os que consegue captar pela sua própria ação têm uma preponderância fundamental num tempo em que escasseiam recursos destinados ao ensino superior. Podemos afirmar que a falta de disponibilidade orçamental é uma opção política, no entanto, qualquer que seja a verba e os recursos disponíveis, devem ser sempre geridos e aplicados da forma mais eficaz possível. É neste aspeto fundamental da boa gestão pública que incidem algumas das ideias apresentadas.
A Constituição da República Portuguesa confere às “universidades” «autonomia estatutária, científica, pedagógica, administrativa e financeira, sem prejuízo de adequada avaliação da qualidade do ensino» (n.º 2, art.º 76.º da CRP). Contudo, incompreensivelmente, o quadro legal estabelece diferenças na possibilidade das instituições de ensino superior conferirem às suas unidades orgânicas autonomia administrativa e financeira, o que constitui mais uma forma de artificialmente distinguir os cada vez mais confundíveis subsistemas universitário e politécnico. «A atribuição de autonomia financeira a unidades orgânicas de institutos politécnicos públicos é concedida por despacho do ministro da tutela e depende da satisfação de critérios a aprovar por portaria deste, os quais incluirão, designadamente, o seu nível de receitas próprias» (n.º 2, art.º 126.º da Lei n.º 62/2007, de 10 de setembro). A Portaria n.º 485/2008, de 24 de abril, estabelece que a atribuição de autonomia financeira a unidades orgânicas de institutos politécnicos depende cumulativamente de a média do número de alunos inscritos na escola em 31 de dezembro dos últimos três anos letivos ser superior a 5000; a média do número de docentes em equivalente a tempo integral apurados em 31 de dezembro dos últimos três anos letivos ser superior a 400; a média do volume total das receitas próprias dos três últimos exercícios orçamentais ser igual ou superior a cinco milhões de euros, o que resulta na atribuição de autonomia financeira a apenas uma das unidades orgânicas - o ISEP - e da constatação de que a aplicação de tal regra a todo o sistema resultaria na atribuição de autonomia financeira a apenas cinco unidades orgânicas (FEUP, FCTUC, FCT/UNL e IST, além do ISEP já mencionado). De notar que estas mesmas restrições para o ensino politécnico retiraram a autonomia financeira ao ISEL no ano letivo 2014/2015 por ter atingido um número de estudantes inferior ao estabelecido, o que é caricato num sistema de profundas desigualdades de critérios entre subsistemas.
Desta forma, a FAP defende a harmonização das regras de atribuição de autonomia financeira às unidades orgânicas do sistema de ensino superior, independentemente do subsistema a que pertençam, por ser evidente que tal autonomia deve estar dependente da complexidade de gestão de cada unidade orgânica e não da mera inclusão no subsistema universitário ou politécnico. Tal harmonização pode passar pela redução dos limites mínimos exigidos, devendo contudo ser feita num cenário em que se percebeu que a inclusão das unidades orgânicas em perímetros financeiros alargados, depois dos normais problemas de integração, não perturbou o seu funcionamento.
Cada uma das instituições que compõem a rede pública de ensino superior em Portugal tem uma organização interna bastante diferente, historicamente definida, sendo tantas vezes a sua complexidade diretamente proporcional aos seus anos de existência. Estas instituições de elevada complexidade institucional foram crescendo e afirmando-se, num cenário de forte crescimento do ensino superior, sendo em muitos casos difícil – quer por razões históricas, quer por razões de afirmação – procurar reorganizar departamentos e outros grupos institucionais.
No entanto, para que também a eficiência na contratação de bens e serviços possa ser procurada dentro de cada instituição (ou até em grupos de instituições) pela aquisição conjunta de bens e serviços, a autonomia financeira de cada unidade orgânica (ou até de cada instituição) não pode ser entendida como uma fronteira intransponível: pelo contrário, as unidades orgânicas de uma instituição (ou a própria instituição em consórcio) devem procurar a dimensão que lhes permita beneficiar das melhores condições de compra possíveis, pelo que é necessário realizar-se um planeamento das necessidades que permitam essa compra em conjunto. A FAP defende que é essencial que as unidades orgânicas de uma instituição não possam continuar a refugiar-se no pretexto da sua autonomia financeira para continuar a não procurar as necessidades comuns a toda a instituição, impedindo a diminuição do custo total da aquisição e que as unidades orgânicas de menor dimensão beneficiem das mesmas condições negociais das unidades orgânicas maiores.
Para a FAP, há ainda um longo caminho a percorrer para além dos grupos institucionais rigidificados ao longo do tempo e que hoje desperdiçam recursos, independentemente dos seus nomes: departamentos, gabinetes, secções, unidades científicas, etc. Há ganhos de massa crítica e flexibilidade de gestão que podem ser conseguidos pela cooperação entre os vários grupos existentes ou mesmo pela fusão de vários deles. Não parece aceitável que a insuficiência de recursos (humanos e outros) de uma dada unidade orgânica não seja colmatada por outros recursos existentes noutras unidades orgânicas da mesma IES. Da mesma forma, defende a FAP a eliminação das duplicações (ou outras multiplicações) de departamentos com os mesmos fins dentro da mesma IES, sem prejuízo da necessidade de defesa da identidade e tendo em conta os objetivos dos diversos ciclos de estudos e planos curriculares.
A reestruturação do funcionamento e da despesa das IES quase só tem sido feita para acomodar cortes a montante. Defendemos porém que a reforma que urge fazer não pode ser decretada: é uma tarefa que só se pode realizar internamente em cada uma das IES e uma responsabilidade que lhe advém da sua missão e da autonomia que lhe é reconhecida. É convicção da FAP que só IES reformadas sob este ponto de vista poderão ser bem-sucedidas nacional e internacionalmente num ambiente de financiamento com base em parâmetros objetivos, com ou sem os constrangimentos financeiros em que hoje vivemos.
Regras de execução orçamental e de contratação das IES
Autonomia financeira das unidades orgânicas
Organização de departamentos e secções internas